Fim de Linha

     Hoje nada mais existe, a não ser o armazém, herdeiros de aposentados da E.F.S. e muita saudade dos apitos longos e tristes das locomotivas que chacoalhavam tanto, mesmo correndo pouco, esparramando brasas pelo percurso todo. 
     Ainda ressoa nos ouvidos dos mais velhos, que habitavam por perto dos trilhos, um som que não se ouve mais, mas que para muitos servia de relógio e dava vida a uma cidadezinha pacata, de ruas de terra, de um grande time de futebol, de um jardim acolhedor, da água do Cambará, da Rua Torta familiar, do Bom Retiro com sua lendária capela de Santa Cruz, onde poetas mil elaboravam românticos correios-elegantes.
     Os funcionários andavam uniformizados, o chefe de quepe vermelho, recebendo e dando partida aos trens, embarcando e desembarcando alguma carga e poucos passageiros.
     A máquina, a vapor, carregava lenha e água, um vagão para carga servia de correio e de sala do chefe de trem; logo vinha um vagão de segunda classe, com bancos duros, de madeira, seguido pelo carro de primeira que fechava o comboio.
     Havia as passagens só de ida  ou ida e volta, vendidas através da janelinha que dava para o saguão, uma sala de espera com apenas um banco, ligada à sala ocupada pelas professoras que todas as tardes viajavam de volta para Piracicaba.
     Quem não se lembra do Sr. Cassiano, do Sr. Freitas, do Sr. Paes, do Sr. João, do Sr. Nelson Caprone, do Sr. Ito Marques, do Lio, do Luiz Cruzato, do Anízio, do Renato, do Leonel de Souza, do Alceu, falando apenas dos mais antigos e do meu tempo?  Do Jacó Piva, que cuidava zelosamente da porteira, que antes girava tomando toda a largura da rua e que , mais tarde, foi constituída  por uma grade de madeira, pintada de branco, que corria pelo curto trajeto de 10 a 15 metros sobre trilhos.
     Tudo passou, tudo acabou, mas na memória de muitos ainda sobrevivem os trens de carga que impediam a passagem de um lado para o outro de troles, carroças, cavaleiros, alguns poucos caminhões e automóveis.
     Há quem se lembre ainda do barulho que as locomotivas faziam quando soltavam o vapor acumulado na caldeira. Quantos palpites no jogo do bicho levando em consideração os números das locomotivas: 405, 415, 505, 510...
     O passado se distancia cada vez mais, mas quanta gente ainda se lembra do grande número de pessoas que íam ver o trem passar; das onze, das quatro, das dez da noite. Quem não se lembra que eram tradicionais e cumpriam um destino infalível ? Poucos deles chegavam no horário.
     O pontilhão da E.F.S. foi por muito tempo uma das maiores obras de arquitetura de nossa cidade, sua construção foi acompanhada por grande parte dos cidadãos da época; ficou pronta em 1940 mais ou menos. Ele  não existe mais e, com certeza, tampouco seus construtores.
     Parte do leito da E.F.S. transformou-se em rua, pouco ou quase nada transitada; o lado que se dirige para Piracicaba já é irreconhecível; o armazém serviu por algum tempo como varejão e, atualmente, abriga a Guarda Municipal; a Estação foi demolida, o Largo da Estação perdeu sua significância e não existe mais. 
     Ninguém morou tão perto da Estação como eu. Nunca acordei porque o barulho dos trens fosse culpado, nem de madrugada, com o “trem das cinco “. Toninho Schiavon, de infinita saudade, servia café em sua casa aos viajantes da madrugada. Alguns maquinistas e chefes de trem vinham até a barbearia de meu pai observar a passarinhada. O Lio descansava no degrau da porta da barbearia diariamente. Todos os chefes de estação e telegrafistas mantinham bom relacionamento com meu pai. Época santa e feliz.
     Só restaram na lembrança o barulho das rodas de ferro em atrito com os trilhos, o atraso no horário da maioria dos trens, algumas roupas queimadas pelas brasas, os cargueiros “longos “, os trens de gado, os uniformes dos funcionários e o apito triste e longo das locomotivas dado no alto do Zé da Serra, querendo dizer, sem que nós da época percebêssemos, que tudo aquilo um dia teria fim.
     Com os olhos marejados, o coração apertado, dominado por uma saudade danada, beirando os meus setenta anos, pergunto e respondo:
     “ Passear na linha ? “
     “ Nunca mais ! “

10 de Julho de 2006
112º  aniversário da emancipação 
política de Rio das Pedras

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