“Carteiro Feliz !“

     Vez por outra sou interrogado porque escrevo e porque envio meus “escritos” para tantos riopedrenses que moram em outras localidades. Outra curiosidade natural é sobre o motivo que me leva a hastear a bandeira nacional nos dias feriados. 
     Hoje faço um relato que responde perfeitamente às indagações acima. 
     Hastear a bandeira nacional e escrever eram dois sonhos para quando voltasse a Rio das Pedras. Aposentado, com tempo de sobra, hoje realizo com muito prazer as articulações dos meus sonhos. 
     Na rua onde morava, em Santo André, havia um senhor, de idade já avançada, que não tendo onde hastear a bandeira, a estendia sobre alguns arbustos nos fundos de um acanhado corredor. Isso em todos os feriados nacionais. Muitos sequer notavam a presença da bandeira, mas eu, sempre que passava por ali nos feriados, parava e até me emocionava com aquele comportamento altamente patriótico. 
     Nunca liasteei a bandeira na rua onde morava para não competir com aquele brasileiro magnífico e, também, para não empanar o brilho de uma atitude igualmente magnífica.. Hoje em dia, minha casa em Rio das Pedras serve de moldura em todos os feriados para nossa bonita e vibrante bandeira. 
     Aquele senhor de Santo André, o “homem da bandeira”, é presença marcante e positiva em minha memória. 
     Quanto aos contos, crônicas e poesias... 
     Tudo começou porque, morando longe de Rio das Pedras, era cutucado constantemente pelas lanças da saudade e por lembranças doídas mas gostosas. Desde o dia 18 de outubro de 1958, quando me mudei para São Paulo, já levava comigo na mala a esperança da volta. Esta se deu em 4 de dezembro de 1995. 
     Trinta e sete anos longe de um ponto da Terra escolhido por Deus para ser Rio das Pedras. 
     Minha preocupação maior era morrer e não sentir de novo a alegria da “marcha à ré”. Fui premiado, conseguir voltar vivo. 
     Sei perfeitamente como se sente um riopedrense que vive distante. Parece que tudo corre normalmente e bern, mas sem que nada nos alerte, num entardecer silencioso, sem que se saiba o porquê, vêm à lembrança a Rua Torta, o “Campão”, a Cultural, as ruas da cidade, alguns amigos, o Grupo Escolar, o jardim. Você sente o olhar embaçado, gordo, pesado, e algumas lágrimas acariciam seu rosto. 
     Uma pequena notícia de jornal, algo rápido na televisão, uma foto, um conhecido da terra que nos visita, tudo isso mexe e mexe muito com a gente. 
     Daí... 
     De Santo André até a Vila Carrão, em São Paulo, desço do ônibus e procuro a placa para saber o nome da rua: Avenida Rio das Pedras! 
     Fiquei olhando em direção à placa por um tempo que não sei determinar, cinco ou dez minutos. Ela me enfeitiçou. Eu a li quinhentas vezes, como se fosse possível contar. Uma alegria indescritível. Naquele burburinho todo de cidade grande encontro, banhada pelo sol, clara e límpida, uma placa de rua com um nome tão familiar, pomposo, que me fez rir suavemente. Quase chorei. 
     Chorei sim. 
     Pensei comigo: “é isso que todo riopedrense que mora longe sente quando Rio das Pedras se lhe apresenta de uma forma ou de outra: uma placa, uma foto, uma notícia. Por que não uma carta ?’. 
     Uma carta em forma de poesia, de conto ou de crônica. 
     Surgiu a ideia de se construir um “Pontilhão Literário” (1), escrevendo para os “forasteiros riopedrenses” crônicas, contos e poesias. Tenho o maior prazer em saber que chego a várias “casas riopedrenses” fora de Rio das Pedras, de cinco a seis vezes por ano. 
     Envio cartas para Pernambuco, Piauí, Bahia, Minas Gerais, Goiás, Distrito Federal, Paraná, São Paulo, num total de trinta e duas cidades e cento e trinta e oito endereços.   Distribuo em nossa cidade, casa a casa, mais duzentos e sessenta exemplares. Alguns amigos não riopedrenses também recebem minhas “cartas”. 
     Continuando... 
     Um senhor saiu de um barzinho próximo à placa, meio assustado com o meu comportamento, perguntando-me se eu estava com dificildades para ler a dita placa, talvez pensando que eu fosse analfabeto ou “fora do cabo”. 
     Respondi-lhe com a maior satisfação deste mundo que eu estava apreciando parte do Paraíso. Esta resposta deve ter confirmado a ideia de que eu não dizia coisa com coisa. 
     Ele me pegou pelo braço cordialmente e me fez um convite para tomarmos um cafezinho, talvez pensando em me acalmar. Mais dois fregueses se aproximaram com seus cafés e ficaram me ouvindo. 
     Os três perceberam que eu não era maluco e ficaram sabendo muitas coisas sobre Rio das Pedras. Ficaram encantados, nenhum deles era do interior, tudo foi novidade. 
     Finalizando, disse aos três senhores: 
     -Rio das Pedras é um lugar tão calmo, bonito e acolhedor, que Jesus e os apóstolàs, todos, passavam as férias lá.

(1) “Pontilhão Literário” é a forma que minha irmã Valéria encontrou para justificar todo esse meu trabalho de “Carteiro Fellz”
 

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