MARÍLIA E FERNANDO 
EM RIESE PIO X

Relato enviado por Marilia Barrichello Naigeborin, especialmente
para o site da Família, em novembro de 2006, por ocasião do 
IV ENCONTRO DOS FILHOS, NETOS, BISNETOS E TRINETOS 
DE VOVÔ ERNESTO E VOVÓ NINA

Já faz pouco mais de 3 meses que eu e meu marido Fernando iniciamos a maior aventura de nossas vidas: uma viagem de volta ao mundo. Volta ao mundo interior e exterior. Momento de muito aprendizado, reflexão, novas descobertas e busca pelo verdadeiro sentido das coisas. Sabemos que depois dessa viagem nunca mais seremos os mesmos. Já passamos pela Holanda, Bélgica, Inglaterra, Turquia, Tunisia e no ultimo mês, estivemos na Itália. Foi lá que a volta ao mundo virou “ volta às raizes” e vivemos um momento muito especial da viagem.

Foi com muito orgulho que no dia 9 de novembro conhecemos a cidade natal de Jeronimo Ernesto Barrichello, Riese Pio X e tivemos o primeiro encontro familiar da viagem. Fernando, meu marido, foi um grande incentivador dessa visita. Há cerca de 4 anos também estivemos nas fronteiras de Ucrânia e Polônia, buscando resgatar impresões, sensações e histórias na pequena cidade natal de seu avô paterno chamada Lutsk. Luciana e Fernando Barrichelo, que já haviam estado em Riese e fizeram uma matéria para o site da familia também nos ajudaram com os contatos dos familiares, telefones e endereços.

Mas voltando a visita a Riese, o primeiro contato foi feito via telefone quando estávamos em Veneza, cidade próxima que fica a uns 50 km de Riese. Como nossa estada na Italia já era de aproximadamente 25 dias pudemos treinar um pouco o italiano e retomar algum conhecimento de um curso rápido feito em São Paulo anos atrás. Liguei então para Angelo Barichello já com o script em italiano bem detalhado. Apresentei-me, contei da viagem pela Itália, da visita anterior de Fernando e Luciana e do prazer que seria poder encontrar com ele e a sua familia. A resposta foi breve e direta: “Come no?”

Ficamos muito felizes com o retorno positivo e com o encontro que foi marcado para dali a 2 dias. Aproveitamos para comprar uma lembrancinha para a familia e descobrir a melhor forma de chegar na cidadezinha. Ai descobrimos que Riese é tão pequena que sequer consta na relação oficial de trens e ônibus. O melhor que tínhamos a fazer era tomar um trem para Castelfranco, cidade maior e um pouco mais turística e depois tomar um ônibus. Para facilitar a troca de informacões sobre a família tambem imprimos a matéria do site sobre Riese e já antecipamos prováveis perguntas e assuntos interessantes  para nossa conversa.

No dia 9 de novembro acordamos ansiosos, demos um grande e saudoso “ciao” para a belíssima piazza San Marco e perto das 11:00h rumamos para a estação ferroviária de Veneza. A viagem para Castelfranco foi curta, mais ou menos 45 minutos. Chegando lá, tinhamos pouco mais de 1 hora até o próximo ônibus para Riese sair. Aproveitamos para dar uma volta pela cidade que tem um fortaleza muito antiga e uma igreja famosa por ter um quadro de um artista chamado Giorgione, comparado a Leonardo da Vinci. Também tivemos tempo para almoçar e nos deliciar com tagliatelli com frutos do mar e spaghetti com radicchio e pancetta. No fundo, a música era da Pantera Cor de Rosa em ritmo de jazz, aquela meio de detetive. Achamos sugestivo e demos aquela boa risada.

O ônibus para Riese saiu na hora marcada e lotado. Além de nós dois, os únicos estrangeiros, havia um monte de estudantes barulhentos que a essas horas estavam voltando para suas casas nos pequenos vilarejos ao redor de Castelfranco, que possivelmente não tem escolas grandes. Depois de 10 km de uma paisagem serena, com muito verde, algumas indústrias, estrada estreita, chegamos. Esse momento do trajeto foi a primeira vez que nos lembramos de Rio das Pedras, ou mais precisamente, do caminho para a Chácara. Era cerca de 1 hora da tarde quando descemos do ônibus. Nesse horário é bastante típico na Itália e, mais ainda nas cidades pequenas, que todo o comércio, bancos, lojas, fechem para o almoco e a sesta. Em Riese até o banco estava fechado. Assim, aproveitamos para fazer um primeiro reconhecimento, andar pelas poucas ruas, tirar fotos e colher impressões e assim ganhar tempo para chegar na casa do Angelo. Passamos pela igreja, pela escola, pelo albergue, pela floricultura, pela venda, pela casa em que nasceu o papa Pio X, que acabou por renomear Riese com o seu complemento. Notavelmente este papa é uma das grandes exceções da história da igreja, pois diferentemente da grande maioria, ele vem de uma família muito pobre. Quando criança, todo dia andava 10 km para ir até a escola, em Castelfranco.

Durante o passeio, a sensação era de estar em solo conhecido. As casas, sua arquitetura e côres, os jardins com árvores frutíferas e brinquedos de madeira ou metal pintados, a tranquilidade e quietude, aquele ar de cidade pequena onde todos se conhecem nos remeteram novamente a Rio das Pedras e à Chacara. Antes de chegar na casa do Angelo já nos sentíamos em casa.

Precisamente às 14:30h batemos na porta da barbearia do Angelo, que dá entrada para sua casa. Uma senhora nos recebeu e novamente eu me apresentei em italiano, já confiante. Ela tambem se apresentou e confirmou minhas suspeitas: era Emília, mulher do Angelo. Ainda um pouco receosa, ela nos convidou para entrar em sua casa e aí chamou o marido. Angelo, muito simpatico e já todo prosa, nos cumprimentou e imediatamente nos convidou para sentar. Emilia nos ofereceu café, panetone (que nesta região não é servido apenas no Natal) e aí o papo deslanchou, o pouco de resistência foi quebrado e em 10 minutos a sensação era mesmo de estar na casa de alguém da famlia, no café de uma tarde de domingo.

Também conhecemos o filho do casal, Cesare, que hoje em dia toca a barbearia e que é muito interessado na genealogia da família. Ele nos presenteou com um documento que, segundo ele, é a única cópia registrada de um estudo que fez sobre a árvore de sua família junto a documentos encontrados na igreja. O problema para ir além, segundo ele, é que as pesquisas são caras e demandam muito tempo. Quando contamos do site da família Barrichello, ele ficou muito surpreso e imediatamente anotou o endereço para visitar.

Conversamos um pouco sobre a cidade e suas impressões  e descobrimos que tudo é questão de referência. Eles acham que Riese está ficando grande demais, que a imigracao de africanos e de pessoas do leste europeu está trazendo violência e que a industrialização e a construção de estradas estão piorando a cidade. Também nos contaram sobre os inúmeros Barrichellos da França, do Canadá, dos Estados Unidos e do Brasil que já passaram por lá. Fernando brincou que eles estavam virando o consulado oficial dos Barrichellos em Riese. Eles riram muito e Emilia brincou: “Barrichello é que nem fungo, todo lugar que você vai, você acha um”. Nessa hora, o Fernando, inspirado, emendou: “então esse fungo deve ter DOCG (“denominação de origem controlada e garantida”) como os bons vinhos da Itália”. Mais risos...

Aí contamos, um pouco, para eles, sobre nossa vida em São Paulo e nossa família, e eles ficaram bem abismados com o tamanho da cidade, com nossa rotina de trabalho e com o tamanho da família Barrichello no Brasil. Quando mencionamos sobre o encontro do centenario apareceu uma grande coincidência: na semana passada eles também organizaram uma festa reunindo todos os Barichellos de Riese e região do Veneto, fato inédito para eles.

Angelo, super simpático e solícito, telefonou para outros parentes e Carla, sua sobrinha apareceu. Carla trabalha como enfermeira e é extremamente falante, dinâmica e alegre. Já visitou o Brasil a convite de Luigi Barichello que mora em Garibaldi, que há mais ou menos 20 anos mantém contato com essa família e que recentemente construiu uma casa nas cercanias de Florença.
Já era fim de tarde quando Carla nos convidou para ir até a sua casa e também conhecer seus pais: Piero que é irmão de Angelo e sua mulher Teresa. Nos moldes bem italianos --- beijos pra cá, abraços pra lá, beijos de novo, fotos --- nos despedimos de Angelo,  Emilia e Cesare e seguimos com Carla para sua casa.

Novamente fomos recebidos de braços e sorrisos abertos. Piero, pai de Carla, nos ofereceu um vinho bastante típico da região, feito pela propria família, de uma uva centenária, que infelizmente está entrando em extinção. Piero, diferente de Angelo e Emilia, fala somente o dialeto do Veneto --- que é um pouco diferente, mas possivel de ser entendido --- e não o italiano. Fernando ficou todo orgulhoso, pois Piero mostrou-se super abismado com o seu italiano. Ele nos contou um pouco de sua história e da sua familia, dos 10 anos que morou no Canadá trabalhando como motorista de caminhão para fazer seu pé de meia e comprar uma pequena propriedade em Riese, onde continua plantando uvas. Quando ele nos falou sobre suas lembranças da guerra, o sofrimento dos que foram e ficaram, o sorriso típico e bonachão deu lugar para uma ponta de tristeza: “Porca miseria questa maledetta guerra” . Mas aí, uma nova rodada de vinho da casa com direito a gotas na mesa e um sonoro “Viva” de Teresa.

Comentamos com Piero que achamos que ele foi feito com a mesma forma dos Barrichellos de Rio das Pedras. Ele riu e aceitou posar para uma foto “solo” para nosso registro. Já passava das 19h quando achamos que era hora de partir. Carla, super atenciosa, nos ajudou a encontrar uma pousada em Castelfranco e nos levou de carro até lá. Pegamos seu e-mail e prometemos dar noticias de nossa volta ao mundo e de um dia nos encontrar no Brasil. Chegamos no hotel, nos acomodamos e sentimos necessidade de compartilhar com a familia esse dia tão especial: ligamos para meu pai e depois para o tio Neto.

Nos dias que se seguiram, continuamos muito tocados e comovidos com o encontro em Riese. Mais que tudo, pelo fato de sairmos em busca de chão, de história, de origem, mas, na verdade, termos encontrado muito mais do que isso. Encontramos uma historia de ousadia e coragem, uma fonte de inspiração para todos nós.

Hoje, a globalização mudou muito a dinâmica do ir e vir: vemos até em nossa famiíia casais internacionais como a Vivi e o Jonas, gente morando fora, como a Beatriz e o Guilherme, mas há mais de 100 anos, quando Girolamo deixou Riese, a situação era completamente outra.

Era romper para construir. Romper para viver no novo mundo, empreender, construir trabalho, família, terra e lugar. Assim, tudo o que somos, prosperamos, conquistamos, remonta a pequena Riese que cresceu com outra velocidade, mudou pouco, enquanto nossa família sofreu uma grande metamorfose. Rio das Pedras virou a Riese de Girolamo e a partir daí uma nova historia de dedicação, trabalho e prosperidade começou a ser escrita. Como Piero nos contou, na época em que Girolamo deixou Riese, todos eram “contadini” (lavradores) e foi assim que Girolamo começou e nos deu bases sólidas para crescer, evoluir e viver uma vida melhor.

Que essa história centenária nos sirva de inspiração para os problemas e momentos difíceis, sirva de motivo de orgulho quando olharmos para nossas orígens e sirva de ponto de partida e referência quando nos sentirmos perdidos frente às grandes mudancas e desafios do mundo moderno. Que, assim como Girolamo Barichello, continuemos cultivando a vontade de sermos melhores sem nunca esquecer dos valores primordiais da humildade, da união, da fé. Valores que fazem esse encontro de hoje possível e fazem de nós, Barrichellos de Rio das Pedras, Piracicaba, Sao Paulo, Brasil, Riese Pio X, uma grande família.

Durante sua viagem pelo mundo, Marilia e Fernando mantiveram um blog na revista Vida Simples que está respoduzido de forma integral e pode ser acessado clicando aqui ( em pdf).