DEPOIMENTOS HISTÓRICOS Nº 6
As origens e os negócios da família
Barrichello.
Entrevista concedida por Luiz Augusto Barrichello e
Olívio Barrichello a Celso Augusto Rimoli. Presente também Cosme A. S. Rimoli, em
Piracicaba, 15/1/94.
Augusto: É com grande
prazer que recebemos vocês aqui em minha casa, os queridos parentes Olívio,
Cosme Sebastião Rimoli e Celso... ?
Celso: Celso Augusto.
Augusto: Oh, que
alegria ter você como meu xará. Rimoli, amigo de todas as horas, vizinho do
mesmo prédio, vizinho do mesmo serviço, estamos aqui. Eu começaria como tenho
feito em todas as fitas, dizendo que nos reunimos às 15:35 horas, do
sábado, dia 15 de janeiro de 1994. E iniciamos uma gravação de assuntos ligados
às tradições e às origens longínquas da família Barrichello – Barichello, como
era no começo, na Europa daqueles tempos. Então eu perguntaria ao Olívio, nosso
professor, se ele se lembra do que faziam os Barrichello de antigamente. Parece
que papai tinha uma “osterie” uma espécie de um bar na cidade de Riese Pio X,
Itália...
1. AS ORIGENS
1.1 A vinda
da Itália
Olívio:
Muito bem, agradeço as palavras do Augusto, mas nós vamos contar alguma coisa
que ouvimos dizer, porque nós não éramos nascidos, uma vez que papai veio para
o Brasil com oito anos apenas. Consta que eles de fato tinham uma lanchonete,
um pequeno restaurante, mas isso enquanto a família não crescia. Isso foi até
quando já existiam o tio Jacob (Giaccomo), papai, tia Anunciatta, tio João
(Giovanni) e tio Luigi (este morreu solteiro em Rio das Pedras). Acredito então
que esses meninos de lá, teriam de trabalhar fora, e teriam sido pequenos
lavradores porque, nas pequenas comunidades no norte da Itália, o cultivo
geralmente era de uvas e de cereais. Acredito que eles tivessem alguma prática
de trabalhar fora, alem do sustento que os pais ganhavam com o estabelecimento
que tinham lá. Assim sendo, com a crise que a Itália passava na época, eles
tinham que tomar algum destino, algum rumo para que encontrassem alguma
colocação. Seguiram então o exemplo da própria família Barrichello, do irmão
mais velho de vovô, de nome Giovanni, que já havia vindo para o Brasil
anteriormente. Vovô, que se chamava Giuseppe, naturalmente pretendia vir também
para Rio das Pedras, mas não deu tão certo: ele veio inicialmente só com dois
filhos e o restante da família ficou lá. Chegando ao Brasil, não pôde ir direto
para Rio das Pedras, porque pelas leis, organizações e determinações da
política agrária brasileira, os imigrantes iam para as regiões que o governo
escolhia. Então vovô, pai Ernesto e tio Jacob foram para Minas Gerais. Ficaram
lá um ano ou dois, quem sabe, e depois vieram para Rio das Pedras e aqui
continuaram trabalhando até vovô conseguir algum dinheiro, voltar para a Itália
e buscar seus filhos menores, vovó e nossa bisavó, que haviam ficado lá. Quando
regressava à Itália, foi trabalhando no navio para a passagem ficar mais barata
e acabou tendo um acidente com um ferimento grave na perna que gangrenou. Ele
morreu no navio e teve que ser sepultado no mar, porque naquele tempo as
viagens demoravam meses. Quando o navio chegou à Itália, a família estava
esperando no porto de Gênova. O comandante do navio chamou a vovó e a bisavó,
comunicou a morte de vovô e entregou a elas os pertences dele, inclusive o
dinheiro, com o qual eles puderam viajar para o Brasil. Nesse tempo, tio Jacob
e papai já estavam morando na fazenda do Capitão Vicente, que é a fazenda São
João hoje e pertence à Usina Santa Helena. Eles trabalhavam como lavradores nos
cafezais e para lá foi e ficou a família de vovô.
1.2 Os nomes
das primeiras famílias
Os filhos de Giovanni, irmão de vovô Giuseppe, primeira
família que veio para o Brasil que eu conheci em Rio da Pedras, eram:
Eugenio, Luiz (Gigio), José (Bepe), o Cheo, que era Giacomo...
Augusto:
o Cheo era tataravô do Rubinho Barrichello que hoje tem fama internacional na
Fórmula 1.
Olívio: Isso.
E havia também Maria, que foi casada com Virgílio Guidolin e Santina, casada
com José Farah. Esses eram os filhos do primeiro Barrichello que veio para Rio
das Pedras.
Augusto:
Gostaria de pedir ao Olívio que fizesse referência agora ao ramo da família de
papai, (cujo nome era Girolamo na Itália), aqui no Brasil.
Olívio:
Vovô Giuseppe, casado com a avó Ursulina Rizzi e os dois eram de Riese Pio X,
região de Vêneto, Província de Treviso. E os filhos eram o tio Giacomo (Jacob),
papai Jerônimo Ernesto, tia Anuciatta (que foi casada com o tio Aureliano
Antonelli), o tio Giovanni (João, pai do Emílio que foi casado com uma
Penatti), e também o tio Luigi, que morreu solteiro
em Rio das Pedras. Além desses Barrichello, havia mais dois irmãos de vovô
Giuseppe: Santo e Felício. O Santo era pai do Pedro, que foi funcionário da
prefeitura de Piracicaba e trabalhava como supervisor das obras e naquele tempo
funcionava quase como engenheiro. Era muito habilidoso em construções de pontes
de estradas com cortes de caminhos etc; e tinha uma irmã de nome Laura. E por
fim o Felício, que foi morar em Saltinho desde que veio, cujos filhos eram
Benjamin, que nos chamávamos de Ben, o Joanin que era o João e mais algumas
irmãs...
Augusto:
O Luizinho Barrichello dizia que as três famílias eram amigas desde a Itália: a
família Tegon da tia Cristina, família Mardegan da
mamãe Nina, e a família Barrichello, do José Barrichello, o patriarca,
que já foi mencionado. Então vamos partir pro casamento do nosso tronco. Na
Itália papai era conhecido como Girolamo Nisto ( Nisto era um apelido que depois virou Ernesto aqui no Brasil).
Tanto que quando ele se estabeleceu como negociante em Rio das Pedras, o
primeiro registro dele, de 1920 ou 1922, consta o nome de Jeronymo Ernesto Barrichello – então, por obra e graça do Nico
Martins, do cartório, Nisto virou Ernesto – o apelido virou nome, assim
como Girolamo virou Jeronymo... Mas prossiga Olívio, fale do namoro e do
casamento.
Olívio: Eu acredito
que de fato eles eram da mesma região da Itália, porque conforme eu disse a
vocês, papai era de Riese, Treviso; já mamãe era de Valla’ que pertencia a
Treviso também. Então eu acredito que a tia Cristina, que era casada com
o tio Jacob, seja daquela região também, e talvez as famílias tenham se
conhecido lá... Agora vamos falar dos parentes de mamãe. O pai era Luigi
Mardegan e a mãe, Luiza Darttora. E os filhos eram: Giuseppe – o pai da ”turma
do Himalaia”, o Sétimo, o Otavio Evangelista, Luiza e Jacyntho; também o tio
Santo, que era casado e tinha uma porção de filhos: Amália, Helena, Thereza,
Mími (Jacyntho), Pedro, Jacob, Luiz e Nenê; depois a mamãe, que teve 11 filhos
e o tio João, casado com tia Therezinha, e nossos primos se chamavam Durvalino,
Nório, Neca, eram em seis ou sete, mas não me lembro o nome de todos agora.
1.3 O
desaparecimento precoce do tio Luigi
Vamos também
relatar um acontecimento doloroso, já mencionado antes, sobre o irmão de papai
de nome Luigi, que está enterrado em Rio das Pedras, falecido em 11/12/1898.
Esse morreu solteiro e de um acidente. Ele foi namorar e, na volta, foi dar
água para o cavalo, deveria ser entre vinte e três horas e meia-noite, o cavalo
se enroscou em um arame farpado e o tio Luiz caiu no lago e morreu afogado. De
manhã, quando deram pela falta dele, pois apenas o cavalo tinha voltado, foram
procurá-lo (o Pedro Barrichello contou essa história) sem encontrá-lo na Lagoa,
era o tanque da fazenda S. João. Usaram todas as maneiras para achar o corpo,
sem encontra-lo. Inclusive, colocaram uma vela em uma latinha e soltaram. Dizia-se que onde ela parasse ali estaria o corpo, mas não
deu certo. Aí, o capitão Vicente, o dono da fazenda S. João autorizou
abrir o ladrão e soltar a água da represa e, à medida que a água foi baixando,
se pôde ver que ele estava enroscado em um fio de arame. Naquele tempo, para
separar um pasto de outro, a cerca adentrava a lagoa com arames presos no fundo,
justamente onde o cavalo o derrubou, ele ficou enroscado e morreu. É
interessante que, em seu túmulo, está escrito em italiano: “Qui riposa Luigi
Barichello (escrito com um r só). Saudade de la mama e dei fratelli”.
1.4 A foto
mais antiga
Há uma fotografia,
a mais antiga que conhecemos, formada por um grupo de nossa família onde está a
vó Ursulina, a Noneta (Maria Úrsula) que é a mãe dela e todos os netos,
totalizando quinze. Eram filhos do tio Jacob: a Nenê, o Bepim, o Luizinho e
também o Mario. Depois, da nossa família tem o José, o Jacyntho, a Mariquinha o
Augusto e eu, que era o caçula, e estava no colo da minha bisavó. Depois tem os
filhos da tia Anunciatta e do tio Aureliano Antonelli que eram o Hermínio, o
Gigio, o Atílio e a Marica, a mais nova, e que regula mais ou menos com a minha
idade. E depois os filhos de tio João: a Mariquinha e a Idinha que está no colo
da vó Ursulina. Eram essas as pessoas que estavam nessa fotografia, que
qualquer hora eu vou procurar onde está a minha porque eu quero mostrar para
vocês.
2. A EVOLUÇÃO
DOS NEGÓCIOS NO BRASIL
2.1 O
primeiro investimento
Augusto:
Como foi dito anteriormente, consta que eles possuíam uma “osterie” na Itália,
um pequeno bar que fornecia a alimentação para o povo. Vovô já tinha alguma noção
de comércio e então ele veio como colono para a fazenda do Vicente Amaral
Mello. Logo o negociante Antonio Gomes, parente da família Salles de Piracicaba
começou a namorar, assim, no bom sentido, para tê-lo como seu caixeiro. O
Amaral Mello concordou que ele deixasse de ser colono para ser caixeiro de
Antonio Gomes que tinha um armazém a beira da estrada que conduzia ao Viegas e
que ficou conhecido como Venda Nova. Nesse tempo então, as famílias estavam
juntas, a família Mardegan e a Barrichello e aconteveu o casamento com
diferença de nove ou oito anos de idade entre papai e mamãe, e o primeiro
filho, José, nasceu então nessa tal de Venda Nova.
Olívio:
Nasceu em Venda Nova, onde papai trabalhava.
Augusto:
Mamãe contava que o vovô Luigi Mardegan, trouxera um pouco de libras esterlinas
da Itália e como papai tinha senso de comerciante lá da Itália – veio de lá
meninote – e empregado de caixeiro com o Gomes, tinha muita amizade com a
comunidade local, que era 80% de italianos, e ele houve por bem de pensar em
sua independência, se mudando para Rio Das Pedras com o auxilio do vovô
Mardegan que lhe deu algumas dúzias de libras esterlinas com as quais comprou
um negócio que foi a casa Barrichello, que se tornou depois Irmãos Barrichello,
depois foi Banco do Brasil e ultimamente tem sido a agropecuária do Tuti
Alemão. Assim, ele veio já casado e com um filho, o José para a cidade e ai a
familia começou a crescer, tanto a nossa quanto a do Emílio, quanto a da tia
Anuciatta e a do tio Giaccomo.
Olívio:
Eu também me lembro que talvez eles não tenham gasto todas as libras porque,
quando eu era menino, mamãe mostrou duas dessas libras – moedas pequenas – para
os filhos (eu, a Mariquinha, a Ines, e outros)...
Augusto:
As origens financeiras da família se devem às libras esterlinas do nosso avô
por parte da vó Nina e além do dinheirinho italiano traziam libras esterlinas.
2.2
Crescimento inicial
Olívio:
Na parte que o Augusto fala do casamento de mamãe com o papai, nesse tempo ele
já trabalhava para o Antonio Gomes, que era uma venda de beira de estrada no
bairro da Venda Nova, saindo pela Rua de Baixo e prosseguindo, atravessava os
três caminhos: Venda Nova, Demanda de Monte Belo e
Pinheiro. Ali tinha uma venda onde papai começou a trabalhar, se casou e
depois nasceu o mano José, prematuro. Os Italianos falavam que criança de sete
meses é “setemin”... Papai se estabeleceu com o tio Jacob e com o tempo, dado o
progresso, o tio Jacob se dedicou mais ao comércio de aves e ovos, que ele
comprava em Rio das Pedras dos frangueiros e despachava para São Paulo.
Celso:
Seu tio João também participava dessa sociedade?
Olívio: Não, o tio
João abriu um outro comércio, em sociedade com o Pissaia. Eles tinham
uma venda no Bom Retiro e iniciaram uma
agência de transportes: um trole puxado por dois cavalos. E o tio João cuidava
do transporte, pois o trenzinho da Sorocabana trazia os viajantes até Rio das
Pedras. Os viajantes é que faziam as vendas para as casas comerciais, depois
essas encomendas eram despachadas pela Sorocabana e os comerciantes recebiam em
Rio das Pedras essas mercadorias, entregues pelo trole do tio João, porque
muitas vendas eram feitas nos sítios, como Venda Nova, ou Chave do Barão, Como
eu disse, Tio João era sócio do Pissaia, mas depois
separou-se dele; o Pissaia ficou no Bom Retiro, lá em baixo e ele passou
a ter aqui uma espécie de uma venda, um restaurante e um cinema, onde hoje está
a padaria Líder em Rio das Pedras. Mas esse não foi o primeiro cinema de Rio
das Pedras, pois o primeiro existiu lá em baixo, perto da saída hoje para
Piracicaba, em uma estradinha que levava até o Fundão. Era cinema e salão de
teatro, onde os artistas, moços e moças de Rio das Pedras – o Bino Andrade, a
Lica Andrade, o Joca Martins e outras moças trabalhavam ali. Era um teatrinho quase
escolar, hoje em dia há muitos por aí. E o tio João tinha o cinema, a venda e
um tipo de hotel, uns chalezinhos oito ou dez num pátio depois da casa do tio
João, alugados principalmente para os viajantes que vinham para fazer as vendas
de mercadorias para os negociantes de Rio das Pedras. Tio João ficou por lá um
tempo, depois faleceu, e eu me lembro de papai e mamãe ajudando a tia Amábile,
viúva, a criar aqueles meninos, que os filhos ainda eram pequenos e só a Mariquinha e a Idinha eram mocinhas.
Tia Amábile continuou um pouco mais com o negócio e depois o vendeu.
2.3
Dificuldades e superação
Continuando, quando papai resolveu separar-se do tio
Jacob, papai ficou com a venda na rua Prudente de Morais n. 46, mais ou menos
em 1922. Papai ficou estabelecido aí então em 1924, quando houve a revolução do
Isidoro Lopes, contra a república velha em São Paulo
e os “anjinhos da república”, os vermelhinhos do governo federal estavam
bombardeando São Paulo. Então, todos os parentes de São Paulo vieram para Rio das
Pedras, como os Antonelli, ficaram com a tia Marieta e em casa também. Papai
continuou com a venda até que o mano José, o mais velho, estudava à noite em
Piracicaba e conseguiu um diploma de guarda-livros. Iam em três pessoas de Rio
das Pedras à tardezinha para Piracicaba: o José, o Rafael Poncio e o Carmelindo
Corelazzi, o Dindinho. José continuou com papai até se casar, mudou-se para São
Paulo e se estabeleceu na R. Major Otaviano. Foi a partir daí que o Augusto
assumiu a direção da venda. Eu, em 1932 estava estudando ainda e, com a crise
do café, essa foi uma época de grandes dificuldades, já que papai sempre tinha
algum dinheirinho emprestado de amigos e fregueses. Não só para nós, mas para
todos de Rio das Pedras. Quem passou dificuldades desse tipo também foram os
Cortelazzi. E assim como Augusto salvou os Barrichello, Antenor salvou os
Cortelazzi, pois nesse tempo o Carmelindo
estava em Gália, casado. Foi uma verdadeira luta, e eu estava ainda
estudando em 1931 em Campinas, no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, mas não
voltaria mais, porque não tinha dinheiro para pagar. Foi quando D. Maria
Augusta Morais Neves, casada com Manoel da Costa Neves soube que eu não iria
estudar mais e estava de mudança para Piracicaba, mas morava em frente à nossa
casa em Rio das Pedras e como eles compravam na venda e pagavam a cada 30 dias,
com caderneta, ajudaram na minha formatura. O Augusto já estava trabalhando na
venda e o fornecimento que papai e ele faziam para todos os colonos do sítio, a
maioria deles comprava uma vez por ano e pagavam na colheita. Agora, vejam
vocês a estabilidade da moeda daquele tempo! E os que tinham criação de porcos
e galinhas, iam pagando aos poucos, para que a dívida não se estendesse pelo
ano todo. E assim, depois dessa luta o Augusto conseguiu, junto com papai e eu,
que ajudava um pouco, estabilizar o negócio. Na venda, quem primeiro trabalhou
foi José – o Jacyntho não gostava da venda, preferia seu ofício de alfaiate e
depois se estabeleceu com uma loja que por sinal foi muito bem. Mamãe que
trabalhava mais na venda, papai negociava mais por fora e, mais tarde um pouco,
por volta de 1932 o Augusto...
Augusto:
Quando o José se casou, em março de 1932, houve um detalhe curioso, porque o
futuro sogro dele, solicitava, como boa medida, que o José se mudasse para São
Paulo, já que aqui o tio Jacob tinha um negócio de aves e ovos e papai tinha um
engenho de pinga no sítio de Santa Thereza. O sogro sugeriu que antes de se
casar ele estudasse esse problema porque aqui não
havia mais espaço, essa terra não tinha futuro para trabalho. Tanto o vovô
Ernesto, a vó Nina e o próprio José, apoiaram a idéia e ele foi para São
Paulo, conseguindo se estabelecer por lá. Então, seis meses depois, em
setembro/outubro, há que se mencionar dois fatos. O primeiro é que São Paulo
perdeu a revolução constitucionalista em outubro de 1932 e, cessado o conflito
belicoso entre São Paulo e o resto do Brasil, o estado voltou à normalidade,
precisava progredir e, nisso tudo, faltava açúcar. A produção do nordeste
entrou em decadência, por causa dos meses de revolução e o açúcar batido passou
a ser atrativo. E nesse momento eu rendo homenagens a um amigo de papai que
morava vizinho da Sta. Thereza, o Sebastião de Gaspari, que disse a ele: “O sr.
tem cana, tem engenho, só falta comprar um tacho, daqueles redondos, grandes
que eu vou buscar pro senhor em Piracicaba, Aí o sr. faz um ou dois sacos de
açúcar por dia e deixa de fazer pinga, porque a pinga está sem mercado, uma vez
que há transporte fácil pra São Paulo, há muitos engenhos perto de São Paulo,
além de muitos engenhos em Piracicaba e Rio das Pedras”. E aí um belo dia ele
apareceu com o tacho, (inaudível) por conta própria e é por isso que eu digo
que esse freguês, Sebastião de Gaspari, do posto de gasolina, merece uma homenagem...O
segundo fato que ajudou enormemente depois de 1932 foi que Getúlio Vargas,
então no governo, quis ser bondoso e concedeu uma lei de reajustamento
econômico...
Olívio:
Uma moratória...
Augusto: É, uma moratória: todos os negociantes que
tivessem haveres de sitiantes e de fazendeiros, o governo cobriria 50% da
dívida que o lavrador tivesse com os armazéns. Papai tinha vários haveres
hipotecários, pois não havia como pagar e o jeito era hipotecar. Ele chegou a
hipotecar a fazenda Sta. Thereza e o sítio Bom Jardim por 15 contos de réis.
Então, merece louvor essa política do Getúlio Vargas que concedeu moratória a
todos que devessem, ninguém podia executar e quem vivia da lavoura, recebia. E
comecei então com um ou dois sacos de açúcar batido por dia, mais o dinheiro
que o reajustamento econômico devolveu aos Barrichello. Inclusive, o próprio
capitão Vicente Amaral Mello, da Fazenda S. João, devia aos Barrichello, mas o
vovô não recebia porque ele não tinha como pagar – o café tinha baixado a zero,
depois da crise de 1929 na América do Norte e o açúcar batido foi a salvação –
primeiro porque tinha consumo e depois porque o açúcar do nordeste havia caído
e então foi uma redenção, o açúcar batido e a ajuda do governo. E a partir
dali, não paramos mais de progredir. Hipotecados como estávamos, em 1934 – dois
anos depois foi tudo pago – a hipoteca foi feita com um cidadão em Piracicaba,
o Stouf. Houve
outros casos parecidos na época em que isso não aconteceu, eles não conseguiram
se manter. De lá para cá então, houve essa procura por açúcar batido,
constituímos o segundo engenho de açúcar batido e o nosso armazém nosso ficou
sendo o maior de Rio das Pedras. Havia uma firma, Porto & Cia., que era
gente de São Paulo, que fechou seu armazém, porque sentiram o impacto da crise
e o nosso armazém começou então a enfeixar em suas mãos toda as freguesias, a
ponto de dentro da loja ser como um mercado de Piracicaba, ou de cidades
grandes, onde para você entrar tinha que pedir licença. O balcão ficava lotado
de gente fazendo compra, tudo muito organizado, sem fila, mas o pessoal
respeitava sempre uns aos outros, para que todos pudessem comprar. As entregas
eram feitas de carroça e entre 1936 e 1938 já estávamos livres. Em 1939,
montamos uma olaria lá no Bom Retiro. Os tijolos da olaria eram vendidos
através do Pedro Barrichello, que também merece ser citado, porque ele
conseguia, como funcionário da prefeitura. Por exemplo, a Santa Casa, que
estava construindo um prédio novo, onde se encontra ainda hoje na rua
Independência, precisava comprar tijolos – os prédios já estavam feitos, mas
era preciso ainda colocar lajotas nos pátios – então trocavam os nossos tijolos
por terrenos que a Santa Casa de Piracicaba recebia de doação de famílias sem
herdeiros. Assim, naquele tempo já por volta de 1936-38, antes de eu me casar
com a Jamile, nós já tínhamos em Piracicaba cerca de 28 casas feitas com esses
tijolos. A venda dava lucros, o açúcar também dava lucros e nós conseguimos
então manter o negócio e, graças a Deus, o tempo passou e chegamos até aqui.
2.4 A constituição das usinas de açúcar
A partir do momento em que o açúcar batido passou para
o segundo engenho, no Bom Retiro, nós passamos a vender não só o açúcar batido
em Piracicaba, como através de viajantes do Moinho Santista, do Mattarazzo, e
até de fabricantes de queijo, o açúcar era vendido no interior, porque a
produção de um ou dois sacos de açúcar por dia passou a mais de 20 sacas por
dia, o que era bastante. Um caminhão grande carregava 80 sacas e, devido à existência
de muitos engenhos em Piracicaba, os compradores pagavam muito pouco. Então, o
jeito foi comprarmos sacos vazios e exportarmos açúcar, através desses
viajantes exportação pela estrada de ferro Sorocabana. Houve bastante
prosperidade, graças a Deus e, lá pelos idos de 1947-48, surgiu a idéia de,
tendo já dois engenhos, conseguir uma autorização, via requerimento para o IAA,
de montar açúcar turbinado, um passo antes do
açúcar cristal, ou açúcar de usina. Foi feita uma reunião em Rio das Pedras, na
prefeitura municipal em 1948 o prefeito era o Neco Marino né?
Olívio: Não, o Américo foi em 1948, antes era o
Zico Aires, o Rui Negreiros, outro foi aquele professor... o Luiz de Arruda
Leite, em seguida o Américo, em 1946-47, depois em 1948 fui eu.
Augusto: A guerra, que havia sido um entrave
muito grande também, porque a produção de açúcar do país estava trancada em
função do conflito internacional só terminou em abril de 1945. Em 1947-48, com
a vida normalizada no Brasil, foi restabelecido o mercado do açúcar cristal e
foi tentado montar a primeira usina em Rio das Pedras pela família Barrichello,
que já possuía o passo anterior ao açúcar cristal, que era o turbinado. Várias usinas foram montadas em
Piracicaba, como a Usina Modelo, a Usina Iracema e outras, porque eles souberam
antes de uma política do IAA, segundo a qual o dono de engenho que montasse uma
máquina de usina dentro de sua fábrica, ganharia uma cota de açúcar cristal.
Nós fomos logrados e quando ficamos sabendo já era tarde: o diário oficial
publicou o encerramento do prazo. Tenho as atas, os jornais, tenho tudo aí com
o nosso protesto. Então, a idéia de 1947-48 saiu negativa. De forma que, quando
eu fui vereador e o Olívio prefeito, em 1948, recebi de um vereador, que não
vou dizer o nome, porque ele tem parentes aí e isso não constrói nada, a
acusação de que nós tínhamos vendido a oportunidade, que não montamos a usina,
porque tínhamos recebido dinheiro para não fazer concorrência para a Monte
Alegre, uma usina de Piracicaba. Ficamos então agoniados, tivemos de nos
defender e foi tudo inútil. Mas em 1950, a idéia ressurgiu. Novamente, quem
tivesse uma cota de açúcar batido de 3000 sacas teria direito à montagem de uma
usina. De forma que, no ano de 1950, já estávamos preparados para requerer. No
ano seguinte, conseguimos a cota, em nome de Jenonymo Ernesto Barrichello –
Usina Sta. Thereza. Mas, segundo o técnico que foi visitar as instalações, não
havia água suficiente para a montagem de usina de açúcar e desse modo era
inútil. E não havia água mesmo. De forma que a idéia continuou e, para
ampliarmos, tivemos que convidar, até por vantagem de poder montar uma usina
maior, não uma usina de 2.000 sacas, mas uma maior, de 80.000 sacas por ano.
graças à união da família Cury, Furlan, Limongi e mais outras famílias. Eles
tinham terra e todos eles entraram com dinheiro para comprar máquinas e para
fornecer cana-de-açúcar. Assim, no dia 12 de outubro de 1951, realizou-se uma
sociedade riopedrense,...
(Nesse momento, a gravação foi interrompida devido à
emoção que o relato causava ao tio Augusto... )