DEPOIMENTOS HISTÓRICOS Nº 6

As origens e os negócios da família Barrichello.

 

Entrevista concedida por Luiz Augusto Barrichello e Olívio Barrichello a Celso Augusto Rimoli. Presente também Cosme A. S. Rimoli, em Piracicaba, 15/1/94.

 

 

Augusto: É com grande prazer que recebemos vocês aqui em minha casa, os queridos parentes Olívio, Cosme Sebastião Rimoli e Celso... ?

Celso: Celso Augusto.

Augusto: Oh, que alegria ter você como meu xará. Rimoli, amigo de todas as horas, vizinho do mesmo prédio, vizinho do mesmo serviço, estamos aqui. Eu começaria como tenho feito em todas as fitas, dizendo que nos reunimos às 15:35 horas, do sábado, dia 15 de janeiro de 1994. E iniciamos uma gravação de assuntos ligados às tradições e às origens longínquas da família Barrichello – Barichello, como era no começo, na Europa daqueles tempos. Então eu perguntaria ao Olívio, nosso professor, se ele se lembra do que faziam os Barrichello de antigamente. Parece que papai tinha uma “osterie” uma espécie de um bar na cidade de Riese Pio X, Itália...

 

1. AS ORIGENS

1.1 A vinda da Itália

Olívio: Muito bem, agradeço as palavras do Augusto, mas nós vamos contar alguma coisa que ouvimos dizer, porque nós não éramos nascidos, uma vez que papai veio para o Brasil com oito anos apenas. Consta que eles de fato tinham uma lanchonete, um pequeno restaurante, mas isso enquanto a família não crescia. Isso foi até quando já existiam o tio Jacob (Giaccomo), papai, tia Anunciatta, tio João (Giovanni) e tio Luigi (este morreu solteiro em Rio das Pedras). Acredito então que esses meninos de lá, teriam de trabalhar fora, e teriam sido pequenos lavradores porque, nas pequenas comunidades no norte da Itália, o cultivo geralmente era de uvas e de cereais. Acredito que eles tivessem alguma prática de trabalhar fora, alem do sustento que os pais ganhavam com o estabelecimento que tinham lá. Assim sendo, com a crise que a Itália passava na época, eles tinham que tomar algum destino, algum rumo para que encontrassem alguma colocação. Seguiram então o exemplo da própria família Barrichello, do irmão mais velho de vovô, de nome Giovanni, que já havia vindo para o Brasil anteriormente. Vovô, que se chamava Giuseppe, naturalmente pretendia vir também para Rio das Pedras, mas não deu tão certo: ele veio inicialmente só com dois filhos e o restante da família ficou lá. Chegando ao Brasil, não pôde ir direto para Rio das Pedras, porque pelas leis, organizações e determinações da política agrária brasileira, os imigrantes iam para as regiões que o governo escolhia. Então vovô, pai Ernesto e tio Jacob foram para Minas Gerais. Ficaram lá um ano ou dois, quem sabe, e depois vieram para Rio das Pedras e aqui continuaram trabalhando até vovô conseguir algum dinheiro, voltar para a Itália e buscar seus filhos menores, vovó e nossa bisavó, que haviam ficado lá. Quando regressava à Itália, foi trabalhando no navio para a passagem ficar mais barata e acabou tendo um acidente com um ferimento grave na perna que gangrenou. Ele morreu no navio e teve que ser sepultado no mar, porque naquele tempo as viagens demoravam meses. Quando o navio chegou à Itália, a família estava esperando no porto de Gênova. O comandante do navio chamou a vovó e a bisavó, comunicou a morte de vovô e entregou a elas os pertences dele, inclusive o dinheiro, com o qual eles puderam viajar para o Brasil. Nesse tempo, tio Jacob e papai já estavam morando na fazenda do Capitão Vicente, que é a fazenda São João hoje e pertence à Usina Santa Helena. Eles trabalhavam como lavradores nos cafezais e para lá foi e ficou a família de vovô.

 

1.2 Os nomes das primeiras famílias

Os filhos de Giovanni, irmão de vovô Giuseppe, primeira família que veio para o Brasil que eu conheci em Rio da Pedras, eram: Eugenio, Luiz (Gigio), José (Bepe), o Cheo, que era Giacomo...

Augusto: o Cheo era tataravô do Rubinho Barrichello que hoje tem fama internacional na Fórmula 1.

Olívio: Isso. E havia também Maria, que foi casada com Virgílio Guidolin e Santina, casada com José Farah. Esses eram os filhos do primeiro Barrichello que veio para Rio das Pedras.

Augusto: Gostaria de pedir ao Olívio que fizesse referência agora ao ramo da família de papai, (cujo nome era Girolamo na Itália), aqui no Brasil.

Olívio: Vovô Giuseppe, casado com a avó Ursulina Rizzi e os dois eram de Riese Pio X, região de Vêneto, Província de Treviso. E os filhos eram o tio Giacomo (Jacob), papai Jerônimo Ernesto, tia Anuciatta (que foi casada com o tio Aureliano Antonelli), o tio Giovanni (João, pai do Emílio que foi casado com uma Penatti), e também o tio Luigi, que morreu solteiro em Rio das Pedras. Além desses Barrichello, havia mais dois irmãos de vovô Giuseppe: Santo e Felício. O Santo era pai do Pedro, que foi funcionário da prefeitura de Piracicaba e trabalhava como supervisor das obras e naquele tempo funcionava quase como engenheiro. Era muito habilidoso em construções de pontes de estradas com cortes de caminhos etc; e tinha uma irmã de nome Laura. E por fim o Felício, que foi morar em Saltinho desde que veio, cujos filhos eram Benjamin, que nos chamávamos de Ben, o Joanin que era o João e mais algumas irmãs...

Augusto: O Luizinho Barrichello dizia que as três famílias eram amigas desde a Itália: a família Tegon da tia Cristina, família Mardegan da mamãe Nina, e a família Barrichello, do José Barrichello, o patriarca, que já foi mencionado. Então vamos partir pro casamento do nosso tronco. Na Itália papai era conhecido como Girolamo Nisto (  Nisto era um apelido que depois virou Ernesto aqui no Brasil). Tanto que quando ele se estabeleceu como negociante em Rio das Pedras, o primeiro registro dele, de 1920 ou 1922, consta o nome de Jeronymo Ernesto Barrichello – então, por obra e graça do Nico Martins, do cartório, Nisto virou Ernesto – o apelido virou nome, assim como Girolamo virou Jeronymo... Mas prossiga Olívio, fale do namoro e do casamento.

Olívio: Eu acredito que de fato eles eram da mesma região da Itália, porque conforme eu disse a vocês, papai era de Riese, Treviso; já mamãe era de Valla’ que pertencia a Treviso também. Então eu acredito que a tia Cristina, que era casada com o tio Jacob, seja daquela região também, e talvez as famílias tenham se conhecido lá... Agora vamos falar dos parentes de mamãe. O pai era Luigi Mardegan e a mãe, Luiza Darttora. E os filhos eram: Giuseppe – o pai da ”turma do Himalaia”, o Sétimo, o Otavio Evangelista, Luiza e Jacyntho; também o tio Santo, que era casado e tinha uma porção de filhos: Amália, Helena, Thereza, Mími (Jacyntho), Pedro, Jacob, Luiz e Nenê; depois a mamãe, que teve 11 filhos e o tio João, casado com tia Therezinha, e nossos primos se chamavam Durvalino, Nório, Neca, eram em seis ou sete, mas não me lembro o nome de todos agora.

 

1.3 O desaparecimento precoce do tio Luigi

Vamos também relatar um acontecimento doloroso, já mencionado antes, sobre o irmão de papai de nome Luigi, que está enterrado em Rio das Pedras, falecido em 11/12/1898. Esse morreu solteiro e de um acidente. Ele foi namorar e, na volta, foi dar água para o cavalo, deveria ser entre vinte e três horas e meia-noite, o cavalo se enroscou em um arame farpado e o tio Luiz caiu no lago e morreu afogado. De manhã, quando deram pela falta dele, pois apenas o cavalo tinha voltado, foram procurá-lo (o Pedro Barrichello contou essa história) sem encontrá-lo na Lagoa, era o tanque da fazenda S. João. Usaram todas as maneiras para achar o corpo, sem encontra-lo. Inclusive, colocaram uma vela em uma latinha e soltaram. Dizia-se que onde ela parasse ali estaria o corpo, mas não deu certo. Aí, o capitão Vicente, o dono da fazenda S. João autorizou abrir o ladrão e soltar a água da represa e, à medida que a água foi baixando, se pôde ver que ele estava enroscado em um fio de arame. Naquele tempo, para separar um pasto de outro, a cerca adentrava a lagoa com arames presos no fundo, justamente onde o cavalo o derrubou, ele ficou enroscado e morreu. É interessante que, em seu túmulo, está escrito em italiano: “Qui riposa Luigi Barichello (escrito com um r só). Saudade de la mama e dei fratelli”.

 

1.4 A foto mais antiga

Há uma fotografia, a mais antiga que conhecemos, formada por um grupo de nossa família onde está a vó Ursulina, a Noneta (Maria Úrsula) que é a mãe dela e todos os netos, totalizando quinze. Eram filhos do tio Jacob: a Nenê, o Bepim, o Luizinho e também o Mario. Depois, da nossa família tem o José, o Jacyntho, a Mariquinha o Augusto e eu, que era o caçula, e estava no colo da minha bisavó. Depois tem os filhos da tia Anunciatta e do tio Aureliano Antonelli que eram o Hermínio, o Gigio, o Atílio e a Marica, a mais nova, e que regula mais ou menos com a minha idade. E depois os filhos de tio João: a Mariquinha e a Idinha que está no colo da vó Ursulina. Eram essas as pessoas que estavam nessa fotografia, que qualquer hora eu vou procurar onde está a minha porque eu quero mostrar para vocês.

 

2. A EVOLUÇÃO DOS NEGÓCIOS NO BRASIL

2.1 O primeiro investimento

Augusto: Como foi dito anteriormente, consta que eles possuíam uma “osterie” na Itália, um pequeno bar que fornecia a alimentação para o povo. Vovô já tinha alguma noção de comércio e então ele veio como colono para a fazenda do Vicente Amaral Mello. Logo o negociante Antonio Gomes, parente da família Salles de Piracicaba começou a namorar, assim, no bom sentido, para tê-lo como seu caixeiro. O Amaral Mello concordou que ele deixasse de ser colono para ser caixeiro de Antonio Gomes que tinha um armazém a beira da estrada que conduzia ao Viegas e que ficou conhecido como Venda Nova. Nesse tempo então, as famílias estavam juntas, a família Mardegan e a Barrichello e aconteveu o casamento com diferença de nove ou oito anos de idade entre papai e mamãe, e o primeiro filho, José, nasceu então nessa tal de Venda Nova.

Olívio: Nasceu em Venda Nova, onde papai trabalhava.

Augusto: Mamãe contava que o vovô Luigi Mardegan, trouxera um pouco de libras esterlinas da Itália e como papai tinha senso de comerciante lá da Itália – veio de lá meninote – e empregado de caixeiro com o Gomes, tinha muita amizade com a comunidade local, que era 80% de italianos, e ele houve por bem de pensar em sua independência, se mudando para Rio Das Pedras com o auxilio do vovô Mardegan que lhe deu algumas dúzias de libras esterlinas com as quais comprou um negócio que foi a casa Barrichello, que se tornou depois Irmãos Barrichello, depois foi Banco do Brasil e ultimamente tem sido a agropecuária do Tuti Alemão. Assim, ele veio já casado e com um filho, o José para a cidade e ai a familia começou a crescer, tanto a nossa quanto a do Emílio, quanto a da tia Anuciatta e a do tio Giaccomo.

Olívio: Eu também me lembro que talvez eles não tenham gasto todas as libras porque, quando eu era menino, mamãe mostrou duas dessas libras – moedas pequenas – para os filhos (eu, a Mariquinha, a Ines, e outros)...

Augusto: As origens financeiras da família se devem às libras esterlinas do nosso avô por parte da vó Nina e além do dinheirinho italiano traziam libras esterlinas.

 

2.2 Crescimento inicial

Olívio: Na parte que o Augusto fala do casamento de mamãe com o papai, nesse tempo ele já trabalhava para o Antonio Gomes, que era uma venda de beira de estrada no bairro da Venda Nova, saindo pela Rua de Baixo e prosseguindo, atravessava os três caminhos: Venda Nova, Demanda de Monte Belo e Pinheiro. Ali tinha uma venda onde papai começou a trabalhar, se casou e depois nasceu o mano José, prematuro. Os Italianos falavam que criança de sete meses é “setemin”... Papai se estabeleceu com o tio Jacob e com o tempo, dado o progresso, o tio Jacob se dedicou mais ao comércio de aves e ovos, que ele comprava em Rio das Pedras dos frangueiros e despachava para São Paulo.

Celso: Seu tio João também participava dessa sociedade?

Olívio: Não, o tio João abriu um outro comércio, em sociedade com o Pissaia. Eles tinham uma venda no Bom Retiro e  iniciaram uma agência de transportes: um trole puxado por dois cavalos. E o tio João cuidava do transporte, pois o trenzinho da Sorocabana trazia os viajantes até Rio das Pedras. Os viajantes é que faziam as vendas para as casas comerciais, depois essas encomendas eram despachadas pela Sorocabana e os comerciantes recebiam em Rio das Pedras essas mercadorias, entregues pelo trole do tio João, porque muitas vendas eram feitas nos sítios, como Venda Nova, ou Chave do Barão, Como eu disse, Tio João era sócio do Pissaia, mas depois separou-se dele; o Pissaia ficou no Bom Retiro, lá em baixo e ele passou a ter aqui uma espécie de uma venda, um restaurante e um cinema, onde hoje está a padaria Líder em Rio das Pedras. Mas esse não foi o primeiro cinema de Rio das Pedras, pois o primeiro existiu lá em baixo, perto da saída hoje para Piracicaba, em uma estradinha que levava até o Fundão. Era cinema e salão de teatro, onde os artistas, moços e moças de Rio das Pedras – o Bino Andrade, a Lica Andrade, o Joca Martins e outras moças trabalhavam ali. Era um teatrinho quase escolar, hoje em dia há muitos por aí. E o tio João tinha o cinema, a venda e um tipo de hotel, uns chalezinhos oito ou dez num pátio depois da casa do tio João, alugados principalmente para os viajantes que vinham para fazer as vendas de mercadorias para os negociantes de Rio das Pedras. Tio João ficou por lá um tempo, depois faleceu, e eu me lembro de papai e mamãe ajudando a tia Amábile, viúva, a criar aqueles meninos, que os filhos ainda eram pequenos  e só a Mariquinha e a Idinha eram mocinhas. Tia Amábile continuou um pouco mais com o negócio e depois o vendeu.

 

2.3 Dificuldades e superação

Continuando, quando papai resolveu separar-se do tio Jacob, papai ficou com a venda na rua Prudente de Morais n. 46, mais ou menos em 1922. Papai ficou estabelecido aí então em 1924, quando houve a revolução do Isidoro Lopes, contra a república velha em São Paulo e os “anjinhos da república”, os vermelhinhos do governo federal estavam bombardeando São Paulo. Então, todos os parentes de São Paulo vieram para Rio das Pedras, como os Antonelli, ficaram com a tia Marieta e em casa também. Papai continuou com a venda até que o mano José, o mais velho, estudava à noite em Piracicaba e conseguiu um diploma de guarda-livros. Iam em três pessoas de Rio das Pedras à tardezinha para Piracicaba: o José, o Rafael Poncio e o Carmelindo Corelazzi, o Dindinho. José continuou com papai até se casar, mudou-se para São Paulo e se estabeleceu na R. Major Otaviano. Foi a partir daí que o Augusto assumiu a direção da venda. Eu, em 1932 estava estudando ainda e, com a crise do café, essa foi uma época de grandes dificuldades, já que papai sempre tinha algum dinheirinho emprestado de amigos e fregueses. Não só para nós, mas para todos de Rio das Pedras. Quem passou dificuldades desse tipo também foram os Cortelazzi. E assim como Augusto salvou os Barrichello, Antenor salvou os Cortelazzi, pois nesse tempo o Carmelindo  estava em Gália, casado. Foi uma verdadeira luta, e eu estava ainda estudando em 1931 em Campinas, no Liceu Nossa Senhora Auxiliadora, mas não voltaria mais, porque não tinha dinheiro para pagar. Foi quando D. Maria Augusta Morais Neves, casada com Manoel da Costa Neves soube que eu não iria estudar mais e estava de mudança para Piracicaba, mas morava em frente à nossa casa em Rio das Pedras e como eles compravam na venda e pagavam a cada 30 dias, com caderneta, ajudaram na minha formatura. O Augusto já estava trabalhando na venda e o fornecimento que papai e ele faziam para todos os colonos do sítio, a maioria deles comprava uma vez por ano e pagavam na colheita. Agora, vejam vocês a estabilidade da moeda daquele tempo! E os que tinham criação de porcos e galinhas, iam pagando aos poucos, para que a dívida não se estendesse pelo ano todo. E assim, depois dessa luta o Augusto conseguiu, junto com papai e eu, que ajudava um pouco, estabilizar o negócio. Na venda, quem primeiro trabalhou foi José – o Jacyntho não gostava da venda, preferia seu ofício de alfaiate e depois se estabeleceu com uma loja que por sinal foi muito bem. Mamãe que trabalhava mais na venda, papai negociava mais por fora e, mais tarde um pouco, por volta de 1932 o Augusto...

Augusto: Quando o José se casou, em março de 1932, houve um detalhe curioso, porque o futuro sogro dele, solicitava, como boa medida, que o José se mudasse para São Paulo, já que aqui o tio Jacob tinha um negócio de aves e ovos e papai tinha um engenho de pinga no sítio de Santa Thereza. O sogro sugeriu que antes de se casar ele estudasse esse problema porque aqui não havia mais espaço, essa terra não tinha futuro para trabalho. Tanto o vovô Ernesto, a vó Nina e o próprio José, apoiaram a idéia e ele foi para São Paulo, conseguindo se estabelecer por lá. Então, seis meses depois, em setembro/outubro, há que se mencionar dois fatos. O primeiro é que São Paulo perdeu a revolução constitucionalista em outubro de 1932 e, cessado o conflito belicoso entre São Paulo e o resto do Brasil, o estado voltou à normalidade, precisava progredir e, nisso tudo, faltava açúcar. A produção do nordeste entrou em decadência, por causa dos meses de revolução e o açúcar batido passou a ser atrativo. E nesse momento eu rendo homenagens a um amigo de papai que morava vizinho da Sta. Thereza, o Sebastião de Gaspari, que disse a ele: “O sr. tem cana, tem engenho, só falta comprar um tacho, daqueles redondos, grandes que eu vou buscar pro senhor em Piracicaba, Aí o sr. faz um ou dois sacos de açúcar por dia e deixa de fazer pinga, porque a pinga está sem mercado, uma vez que há transporte fácil pra São Paulo, há muitos engenhos perto de São Paulo, além de muitos engenhos em Piracicaba e Rio das Pedras”. E aí um belo dia ele apareceu com o tacho, (inaudível) por conta própria e é por isso que eu digo que esse freguês, Sebastião de Gaspari, do posto de gasolina, merece uma homenagem...O segundo fato que ajudou enormemente depois de 1932 foi que Getúlio Vargas, então no governo, quis ser bondoso e concedeu uma lei de reajustamento econômico...

Olívio: Uma moratória...

Augusto: É, uma moratória: todos os negociantes que tivessem haveres de sitiantes e de fazendeiros, o governo cobriria 50% da dívida que o lavrador tivesse com os armazéns. Papai tinha vários haveres hipotecários, pois não havia como pagar e o jeito era hipotecar. Ele chegou a hipotecar a fazenda Sta. Thereza e o sítio Bom Jardim por 15 contos de réis. Então, merece louvor essa política do Getúlio Vargas que concedeu moratória a todos que devessem, ninguém podia executar e quem vivia da lavoura, recebia. E comecei então com um ou dois sacos de açúcar batido por dia, mais o dinheiro que o reajustamento econômico devolveu aos Barrichello. Inclusive, o próprio capitão Vicente Amaral Mello, da Fazenda S. João, devia aos Barrichello, mas o vovô não recebia porque ele não tinha como pagar – o café tinha baixado a zero, depois da crise de 1929 na América do Norte e o açúcar batido foi a salvação – primeiro porque tinha consumo e depois porque o açúcar do nordeste havia caído e então foi uma redenção, o açúcar batido e a ajuda do governo. E a partir dali, não paramos mais de progredir. Hipotecados como estávamos, em 1934 – dois anos depois foi tudo pago – a hipoteca foi feita com um cidadão em Piracicaba, o Stouf. Houve outros casos parecidos na época em que isso não aconteceu, eles não conseguiram se manter. De lá para cá então, houve essa procura por açúcar batido, constituímos o segundo engenho de açúcar batido e o nosso armazém nosso ficou sendo o maior de Rio das Pedras. Havia uma firma, Porto & Cia., que era gente de São Paulo, que fechou seu armazém, porque sentiram o impacto da crise e o nosso armazém começou então a enfeixar em suas mãos toda as freguesias, a ponto de dentro da loja ser como um mercado de Piracicaba, ou de cidades grandes, onde para você entrar tinha que pedir licença. O balcão ficava lotado de gente fazendo compra, tudo muito organizado, sem fila, mas o pessoal respeitava sempre uns aos outros, para que todos pudessem comprar. As entregas eram feitas de carroça e entre 1936 e 1938 já estávamos livres. Em 1939, montamos uma olaria lá no Bom Retiro. Os tijolos da olaria eram vendidos através do Pedro Barrichello, que também merece ser citado, porque ele conseguia, como funcionário da prefeitura. Por exemplo, a Santa Casa, que estava construindo um prédio novo, onde se encontra ainda hoje na rua Independência, precisava comprar tijolos – os prédios já estavam feitos, mas era preciso ainda colocar lajotas nos pátios – então trocavam os nossos tijolos por terrenos que a Santa Casa de Piracicaba recebia de doação de famílias sem herdeiros. Assim, naquele tempo já por volta de 1936-38, antes de eu me casar com a Jamile, nós já tínhamos em Piracicaba cerca de 28 casas feitas com esses tijolos. A venda dava lucros, o açúcar também dava lucros e nós conseguimos então manter o negócio e, graças a Deus, o tempo passou e chegamos até aqui.

 

2.4 A constituição das usinas de açúcar

A partir do momento em que o açúcar batido passou para o segundo engenho, no Bom Retiro, nós passamos a vender não só o açúcar batido em Piracicaba, como através de viajantes do Moinho Santista, do Mattarazzo, e até de fabricantes de queijo, o açúcar era vendido no interior, porque a produção de um ou dois sacos de açúcar por dia passou a mais de 20 sacas por dia, o que era bastante. Um caminhão grande carregava 80 sacas e, devido à existência de muitos engenhos em Piracicaba, os compradores pagavam muito pouco. Então, o jeito foi comprarmos sacos vazios e exportarmos açúcar, através desses viajantes exportação pela estrada de ferro Sorocabana. Houve bastante prosperidade, graças a Deus e, lá pelos idos de 1947-48, surgiu a idéia de, tendo já dois engenhos, conseguir uma autorização, via requerimento para o IAA, de montar açúcar turbinado, um passo antes do açúcar cristal, ou açúcar de usina. Foi feita uma reunião em Rio das Pedras, na prefeitura municipal em 1948 o prefeito era o Neco Marino né?

Olívio: Não, o Américo foi em 1948, antes era o Zico Aires, o Rui Negreiros, outro foi aquele professor... o Luiz de Arruda Leite, em seguida o Américo, em 1946-47, depois em 1948 fui eu.

Augusto: A guerra, que havia sido um entrave muito grande também, porque a produção de açúcar do país estava trancada em função do conflito internacional só terminou em abril de 1945. Em 1947-48, com a vida normalizada no Brasil, foi restabelecido o mercado do açúcar cristal e foi tentado montar a primeira usina em Rio das Pedras pela família Barrichello, que já possuía o passo anterior ao açúcar cristal, que era o turbinado. Várias usinas foram montadas em Piracicaba, como a Usina Modelo, a Usina Iracema e outras, porque eles souberam antes de uma política do IAA, segundo a qual o dono de engenho que montasse uma máquina de usina dentro de sua fábrica, ganharia uma cota de açúcar cristal. Nós fomos logrados e quando ficamos sabendo já era tarde: o diário oficial publicou o encerramento do prazo. Tenho as atas, os jornais, tenho tudo aí com o nosso protesto. Então, a idéia de 1947-48 saiu negativa. De forma que, quando eu fui vereador e o Olívio prefeito, em 1948, recebi de um vereador, que não vou dizer o nome, porque ele tem parentes aí e isso não constrói nada, a acusação de que nós tínhamos vendido a oportunidade, que não montamos a usina, porque tínhamos recebido dinheiro para não fazer concorrência para a Monte Alegre, uma usina de Piracicaba. Ficamos então agoniados, tivemos de nos defender e foi tudo inútil. Mas em 1950, a idéia ressurgiu. Novamente, quem tivesse uma cota de açúcar batido de 3000 sacas teria direito à montagem de uma usina. De forma que, no ano de 1950, já estávamos preparados para requerer. No ano seguinte, conseguimos a cota, em nome de Jenonymo Ernesto Barrichello – Usina Sta. Thereza. Mas, segundo o técnico que foi visitar as instalações, não havia água suficiente para a montagem de usina de açúcar e desse modo era inútil. E não havia água mesmo. De forma que a idéia continuou e, para ampliarmos, tivemos que convidar, até por vantagem de poder montar uma usina maior, não uma usina de 2.000 sacas, mas uma maior, de 80.000 sacas por ano. graças à união da família Cury, Furlan, Limongi e mais outras famílias. Eles tinham terra e todos eles entraram com dinheiro para comprar máquinas e para fornecer cana-de-açúcar. Assim, no dia 12 de outubro de 1951, realizou-se uma sociedade riopedrense,...

 

 

(Nesse momento, a gravação foi interrompida devido à emoção que o relato causava ao tio Augusto... )