COLETÂNEA LITERÁRIA
CAPÍTULO 9
Mãe – Mal – Maldade – Manoel Bandeira – Maldição – Maldizentes
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A MÃE E O FILHO MORTO ( Bulhões Pato)
A pobre da mãe cuidava 
Que o filhinho inda vivia, 
E nos braços o apertava! 
O coração que batia 
Era o dela, e não do filho 
Que já do sono da morte 
Havia instantes dormia. 
Olhei, e fiquei absorto 
Na dor daquela mulher 
Que tivera, sem o saber, 
Nos braços, o filho morto!
Rezava, e do fundo
d’alma! 
Enquanto a infeliz rezava 
O pobre infante esfriava! 
Quando gelado o sentira 
O grito que ela soltou 
Meu Deus! — que dor expressou!
Pensei então: a mulher, 
Para alcançar o perdão 
De quantos crimes tiver, 
Na fervorosa oração 
Basta que possa dizer: 
“Tive um filhinho, Senhor, 
E o filho do meu amor 
Nos braços o vi morrer!”
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A LEOA ( Raimundo Correia) 
Não há quem a emoção não
dobre e vença
 lendo o episódio da leoa brava, 
 que, sedenta e famélica, bramava,
vagando pelas ruas de Florença.
Foge a população
espavorida, 
e na cidade deplorável e erma 
topa a leoa só, quase sem vida, 
uma infeliz mulher débil e enferma.
Em frente à fera no
estupor do assombro 
não já por si tremia ela, a mesquinha
 porém porque, era mãe, e o peso tinha 
sempre caro pras mães, de um filho ao ombro.
Cegava-a o pranto, enrouqueci-a
o choro, 
desvairava-a o pavor!... e entanto, o lindo 
e tenro infante, pequenino e loiro 
plácido estava nos seus braços rindo.
E o olhar desfeito em
pérolas celestes
crava a mãe no animal, que para e hesita 
àquele olhar de súplica infinita, 
que é só próprio das mães em transes destes.
Mas a leoa, como se entendesse 
o amor da mãe, incólume deixou-a...
É que esse amor até nas feras vê-se...
que era mãe talvez essa leoa!
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MINHA MÃE ( Martins Fontes)
 
Beijo-te a mão que sobre mim se espalma 
Para me abençoar e proteger. 
Teu puro amor o coração me acalma 
Provo a doçura do teu bem querer.
Porque a mão te beijei,
a minha palma 
Olho, analiso, linha a linha, a ver 
Se em mim descubro um traço de tu’alma 
Se existe em mim a graça do teu ser. 
E o M, gravado sobre a
mão aberta, 
Pela sua clareza, me desperta 
Um grato enlevo que jamais senti. 
Quer dizer MÃE este M
tão perfeito 
E, com certeza, em minha mão foi feito 
Para, quando eu for bom, pensar em ti. 
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HONRARÁS TUA MÃE ( A.J. Pereira da Silva)
Honrarás tua mãe, seja
qual for 
sua fortuna, bem ou mal nascida; 
Honrarás tua mãe com teu amor, 
tua força, teu sangue, tua vida.
Pensa que o tempo é
vário, e sedutor 
o mundo e que a verdade mais sabida 
pode, amanhã, deixar desiludida 
a fé que tens, agora, em seu valor.
Somente a tua mãe no
torvelinho 
da paixão maternal de que se ufana, 
por ti defronta as fúrias do Destino;
Somente o seu amor não
desengana 
E tocado do espírito divino 
fará milagres da fraqueza humana.
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MÃE ( Hermes Fontes) 
Para dizer quem foi a
minha mãe, não acho
uma palavra própria, um pensamento bom. 
Diógenes, busco-o em vão; falta-me a luz de um facho; 
se acho som, falta a luz, se acho luz, falta o som!
Teu nome, ó minha mãe,
tem o sabor de um cacho 
de uvas diáfanas, cor de ouro e pérola, com 
polpa de beijos de anjo... Ouvi-lo é ouvir um riacho 
merencóreo, a rezar, no seu eterno tom...
Minha mãe! Minha mãe! Eu
não fui qual devera! 
Morreste e não bebi em teus lábios de cera 
a doçura que as mães, inda mortas, contém...
Aos pés de nossas mães —
todas nós somos crentes... 
Um filho que tem mãe — tem todos os parentes 
E eu não tenho por mim, ó minha mãe, ninguém! 
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A virgem é o invólucro
dum anjo. Quando a mulher se forma, o anjo desaparece; volta, porém, mais
tarde, trazendo uma pequena alma, quando a mulher se torna mãe.( Vitor Hugo) 
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Há duas coisas no mundo 
Que se não podem contar: 
Beijos que as mães dão aos filhos, 
Grãos d’areia que tem o mar.” ( Júlio
Brandão)
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MINHA MÃE ( Paulo Bonfim) 
Quando alcanço teu sorriso 
pairando na tarde calma, 
relembro crenças perdidas 
e o sonhos florescem na alma. 
 
Quando vejo teus cabelos 
encantados de luar, 
creio quo céu também cabe 
nas paredes do meu lar. 
 
Quando encontro as tuas mãos 
cheias de graça, e distância, 
Vejo que a vida renasce 
nas manhãs da minha infância. 
Quando escuto a tua voz
sobre as tormentas sem fim, 
sinto que nuvens cinzentas 
dão rosas dentro de mim. 
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SER MÃE ( Coelho Netto)
Ser mãe é desdobrar
fibra 
O coração! Ser mãe é ter no alheio
 Lábio, que suga, o pedestal do seio 
onde a vida, o amor, cantando vibra.
Ser mãe é ser um anjo
que se libra, 
Sobre um berço dormindo; ser anseio, 
ser temeridade, é ser receio! 
É ser força que os males equilibra!
Todo bem que a mãe goza
bem do filho, 
Espelho en que se mira afortunada, 
Luz que lhe põe nos olhos novo brilho!
Ser mãe é andar chorando
num sorriso!
Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! 
Ser mãe é padecer num paraíso!
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 MINHA MÃE ( Casemiro de Abreu)
Da Pátria formosa
distante e saudoso 
Chorando e gemendo meus cantos de dor, 
Eu guardo no peito a imagem querida 
Do mais verdadeiro, do mais santo amor: 
— Minha Mãe! 
Nas horas caladas das
noites d’estio 
Sentado sozinho co’a face na mão, 
Eu choro e soluço por quem me chamava: 
“Oh! Filho querido do meu coração!” 
— Minha Mãe! 
No berço pendente dos ramos floridos 
Em que eu pequenino feliz dormitava, 
Quem é que esse berço com todo o cuidado 
Cantando cantigas alegre embalava? 
— Minha Mãe! 
De noite, alta noite,
quando eu já dormia 
Sonhando esses sonhos dos anjos dos céus 
Quem que meus lábios dormentes roçava 
Qual anjo da guarda, qual sopro de Deus? 
— Minha Mãe!
Feliz o bom filho que
pode contente 
Na casa paterna de noite e de dia 
Sentir as carícias do anjo de amores 
Da estrela brilhante que a vida nos guia! 
— Minha Mãe!
Por isso eu agora na
terra do exílio 
Sentado sozinho co’a face na mão 
Suspiro e soluço por quem em chamava: 
 “Oh! Filho querido do meu coração!” 
— Minha Mãe!
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AS DUAS MÃES ( Josephim Soulary) 
 
Numa igreja se encontraram 
Duas mães, em certo dia;  
Uma entrava e neste instante 
Toda cheia de alegria  
Orgulhosa e triunfante 
Levava, chegando ao peito 
Um filhinho a batizar. 
Outra, a infeliz que saia, 
Levava um filho também... 
Oh! Mas esta pobre mãe 
Levava um filho a enterrar. 
Cruzaram-se a poucos
passos... 
A que trazia nos braços, 
Cheio de vida e conforto, 
O filho dos seus encantos, 
E a triste, lavada em prantos, 
Que seguia o filho morto! 
Trocaram ambas o
olhar... 
Nisto a mãe afortunada 
Foi que rompeu a chorar; 
Enquanto a desventurada 
Que o filho tinha perdido, 
—Oh! Maravilha do amor! 
No meio da sua dor 
Sorriu ao recém-nascido!
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 É MINHA MÃE ( Gonçalves Crespo)
Para alguém sou o lírio
entre abrolhos, 
E tenho as formas ideais de Cristo; 
Para alguém sou a vida e a luz dos olhos 
E se na terra existe; é porque existo. 
Esse alguém, que prefere
ao namorado 
Cantar, das aves minha rude e voz, 
Não és tu, anjo meu idolatrado! 
Nem, meus amigos, é nenhum de vós! 
Quando alta noite me
reclino e deito 
Melancólico, triste e fatigado, 
Esse algém abre as asas no meu leito 
E o meu sono deslisa perfumado.
Chovam bênçãos de Deus,
sobre a que chora 
Por mim além dos marés! Esse alguém 
É de meus dias esplendente aurora, 
És tu, doce velhinha, ó minha Mãe!
 
Pelo bem que tu fizeres, espera todo o mal,que não farias. (Raul de Leoni) 
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O mal tem asas; o bem
tem pernas de tartaruga.( Voltaire) 
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Do conhecimento do mal,
colhe-se o bem. ( Victor Hugo)
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FERAS ( Osmar Barbosa) 
Senhor, por que razão chamar
de fera 
o ser que morde na aflição da fome, 
se a humanidade à toa se exaspera 
e, por certo, merece aquele nome?
Todo o furor de um tigre
se consome 
numa jaula, e  a ninguém mais dilacera. 
Mas o humano rancor, para que o dome 
ao mundo inteiro a guerra desespera. 
Feras! Onde estarão as
suas tocas? 
Nas relvas? Nos palácios? Nas malocas? 
Ou no invento das bombas assassinas?
 
Entre as bestas mais brutas e atrevidas 
nunca reinaram Neros matricidas, 
Jamais houve traidoras messalinas
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Se na senda do mal te
vês perdida, 
não siga adiante, 
para voltar ao bem nesta vida 
todo momento é o supremo instante. ( Ramon
de Campoamor) 
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Quem não pune o mal,
ordena que o façam. (Leonardo da Vinci)
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PEREGRINO  ( Virgilio Oliveira) 
Sou peregrino dos grandes
caminhos, 
Venho de longe, de longínquas plagas, 
os pés doridos, já pisando chagas 
no chão de pedras que são como espinhos.
Trago saudades dos
antigos ninhos 
onde as carícias nunca foram pagas 
—Calor materno sobra de carinhos 
dos quais me restam só lembranças vagas.
Nessas andanças, por
alheias terras, 
Miséria fome pude ver e guerras, 
Mas pouco vi de amor e compreensão. 
E tive pena dessa
humanidade 
Que se debate dentro da maldade, 
Com as opções de paz dentro da mão.
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VOU ME EMBORA PRÁ PASSÁRGADA
(Manoel Bandeira)
Vou-me embora prá
Passárgada 
Lá sou amigo do rei 
Lá tenho a mulher que eu quero 
Na cama que escolherei 
Vou-me embora prá Passárgada 
Vou-me embora prá
Passárgada
Aqui não sou feliz 
Lá a existência é uma aventura 
De tal modo inconsequente 
Que Joana a Louca da Espanha 
Rainha e falsa demente  
Vem ser contraparente 
Da noraa que nunca tive
E como farei ginástica 
Andarei de bicicleta 
Montarei um burro babo 
Subirei no pau de sebo, 
Tomarei banhos de mar! 
E quando estiver cansado 
Deito na beirada do rio 
Mando chamar a mãe d’água 
Prá me contaras histórias 
Que no tempo de eu menino 
Rosa vinha me contar 
Vou-me embora prá
Passárgada
Em Passárga tem tudo 
É outra civilização
Tem um processo seguro 
De impedir a concepção 
Tem telefone automático 
Tem alcalóide à vontade 
Tem prostitutas bonitas 
Para a gente namorar 
E quando estiver mais
triste 
Mas, triste de não ter jeito 
Quando de noite me der 
Vontade de me matar 
 Lá sou amigo do rei  
Terei a mulher que eu quero  
Na cama que escolherei 
Vou-me embora prá Passárgada.
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MALDIÇÃO ( Olavo Bilac) 
Se por vinte anos, nesta
furna escura,
 Deixei dormir a minha maldição, 
Hoje, velha e cansada da amargura, 
Minha alma se abrira como um vulcão.
E, em torrentes de
cólera e loucura, 
Sobre tua cabeça ferverão 
Vinte anos de silêncio e de tortura, 
Vinte anos de agonia e solidão... 
Maldita sejas pelo ideal
perdido! 
Pelo mal que fizeste sem querer! 
Pelo amor que morreu sem ter nascido!
Pelas horas vividas e
sem prazer! 
Pela tristeza do que tenho sido! 
Pelo esplendor do que deixei de ser!